Engordei o sol noturno, de Rebecca Loise, recém-publicado pela editora Urutau, é livro de lançar-se mulher. Psicanalista e artista, artista e psicanalista, psicanartista, nem uma nem outra, ou ambas, sua escrita é a de uma mulher que nasce, sem aviso prévio ou pé na porta, “uma escritora do século XXI”. Suas cenas, diário em prosa, nas páginas de abertura, conduzem a uma comunidade de destino: sou mulher, lembro-me, e os abismos que ela percorre são também os meus. A sensação é de que é um texto de verdade, com toda a estrutura de ficção de que são feitas as boas verdades. O livro vai crescendo em literatura, da prosa ao verso. Algo de Rupi Kaur caetaneada, linikerizada e psicanalisada com uma pitada de Hilda Hilst. Não sei fazer crítica literária, penso, e Rebecca nos desloca para um tempo da escrita em que é possível fazer algo do que não se sabe, do que se abortou em nós: escrita do abismo, da solidão, do não saber ou da perda. Escrita de quem tem um corpo que aborta, que sofre de amor e que percorre suas noites de perda em melancolia visceral, como costumam ser as melancolias das mulheres.