Apelos pelo fim da guerra entre mães e sobre os mitos de uma maternidade perfeita circularam especialmente no último mês nas redes sociais (textos publicados originalmente em fevereiro de 2014 – leia aqui e aqui ). Seguindo no tema e, novamente, tentando aliviar a barra das mães culpadas desse mundo afora, resolvi trazer hoje, novamente, um tema abordado pelo psicanalista inglês D. Winnicott.
Com toda sua sensibilidade clínica, Winnicott sabia que poucas coisas irritam mais uma mãe que o excesso de sentimentalismo que envolve o cuidado infantil. E assim ele trata de um tema que me parece especialmente delicado e importante: o ódio que a mãe sente pelo seu bebê. O psicanalista discute com profundidade as questões que envolvem o ódio materno, mas também traz exemplos corriqueiros. Quando por exemplo, a criança recusa a comida tão boa que a mãe preparou e faz com que ela duvide de si mesma, mas com a tia ele come tudo. Ou quando, depois de uma manhã horrível, a mãe sai com o bebê e ele sorri para um estranho, que diz: “Não é uma gracinha?”
Winnicott sabia muito bem que o excesso de sentimentalismo pode encobrir afetos negativos que a mãe não consegue dar conta de sentir e assumir. A “máscara da ternura”, para parafrasear o psicanalista húngaro Sándor Ferenczi, muitas vezes encobre uma lógica de culpa e desautorização, sobre o que já falei um pouco nas colunas anteriores.
Mas, não custa lembrar, poder assumir os próprios afetos negativos não significa se autorizar a colocá-los em prática, atuá-los. Em termos ideais, diz Winnicott, sobretudo no início, “a mãe deve ser capaz de tolerar seu sentimento de ódio contra o bebê sem fazer nada a respeito.” Ela não pode expressá-lo para ele nem ter muito medo da sua própria reação. O problema é que isso só funciona mais ou menos bem, uma parcela de agressividade não elaborada sempre escapa. Mas a capacidade de tolerância ao próprio ódio e aos próprios insucessos aumenta na medida em que é possível falar sobre eles, colocá-los em debate.
É por essa via que leio as discussões dos últimos dias nos “blogs maternos”. Cada mãe, à sua maneira e ao seu estilo, tentando dar conta das ambivalências que implicam essa aventura que é a maternidade. Melhor ainda quando vêm com um pouco de humor, signo de que algo dessa agressividade humana, demasiadamente humana, pode ganhar outros sentidos.
“Mulheres de todo o mundo, uni-vos”! Essa frase adaptada do Manifesto Comunista não me sai da cabeça desde que comecei a escrever a coluna. Talvez pela certeza de que o debate entre mães pode se tornar ainda mais produtivo se reconhecermos nossas precariedades, nossos ódios, nossas inseguranças, nossas rivalidades, mas que, enfim, estamos todas no mesmo barco.
Pois é, somos de uma geração que já não se contenta em repetir passo a passo o que nos foi prescrito. Queremos – e precisamos – nos inventar como mães, como mulheres. Melhor se pudermos fazer isso juntas, falando sem pudores também dos acertos, dos sucessos, do que vai bem. E digo sem pudores porque desde menininhas vamos aprendendo que feminino e maternidade se referem à fragilidade, à passividade, à dificuldade, ao sacrifício, com conotação quase sempre negativa. Freud, com a limitação do linguajar de sua época, faz uma teoria que nos permite perceber o sofrimento imaginário que tudo isso gera. (Aliás, tenho comigo que a psicanálise é uma teoria para dar conta do feminino). O difícil é que aqui não se trata de nenhum aprendizado, de nenhum resgate de algo que esteja pronto. É algo que precisa ser construído. E, se aprendo algo com a psicanálise até hoje, e nisso Winnicott me ajuda muito, é que não se constrói nada sozinho. Até a próxima!
*Coluna publicada originalmente em http://www.roteirobabycuritiba.com.br./