“Para começar, você ficará aliviada, leitora, quando souber que não pretendo explicar o que tem a fazer.”
Essa é a primeira frase do livro A criança e seu mundo, escrito pelo psicanalista inglês Donald Winnicott, no final dos anos 1950. O livro – que recomendo sem reservas a todos que se interessam pela relação mãe e bebê – é dedicado às primeiras fases do desenvolvimento infantil.
Quando li essa primeira frase do livro, senti certo estranhamento: “As mães se sentem aliviadas por não ter ninguém lhes dizendo o que fazer?” Ora, no dia-a-dia da clínica não é assim. O que aparece, normalmente, são mães confusas diante de tantas informações sobre o que se deve e o que não deve fazer para resolver uma dificuldade específica.
No consultório, às vezes, surpreende a pergunta: “E então, mãe, o que você acha que precisa ser feito?”. Ora, se a família procura um especialista a ideia é que, justamente, esse especialista diga o que precisa ser feito. Costumo começar pelo caminho contrário e o resultado é incrível porque, muitas vezes, investigando só um pouquinho, rapidamente vem a constatação: a mãe sabe o que precisa ser feito para acalmar a criança, ajudá-la na escola, diminuir a tristeza… mas, por mil razões diferentes, não consegue se autorizar a fazer valer aquilo que sabe.
Poderia apontar inúmeros motivos pelos quais isso acontece. Cada mãe, pai, família é um universo particular. Mas arrisco aqui isolar um elemento importante, quase onipresente nas mães: o tal do sentimento de culpa. Mais ou menos assim: há algo extremamente importante (e mágico) que eu poderia estar fazendo para ajudar meu filho, mas… e esse “mas” vem acompanhado uma série de autocríticas, depreciações, ressentimentos….
Freud já dizia, em 1930, que o sentimento de culpa é o mais importante problema no desenvolvimento da civilização. Hoje, mais de 80 anos depois, sabemos esse problema tem formas mais variadas, sobretudo em função do amplo cardápio de modelos e ideais prontos para consumo à nossa disposição. Mas, à parte as características da contemporaneidade, um aspecto importante permanece: o sentimento de culpa muitas vezes é inconsciente e só aparece para nós como angústia, um mal-estar sem nome.
Isso é fácil de perceber no dia-a-dia. Frequentemente, convivemos com pais e mães extremamente angustiados, mas nos quais não é possível identificar nenhum sentimento de culpa aparente. Pelo contrário, diríamos que são mães e pais que se acham o máximo e que estão sempre colocando a culpa nos outros: na escola, no restante da família, no amiguinho que é má influência, ou no próprio filho… Pois bem, aqui, também a lógica da culpa pode estar operando, pela via de uma frase divertida e que sintetiza bem a operação subjetiva: “a culpa é minha e ponho em quem eu quiser”. Mas muitas vezes, esses pais ou mães nem sabem disso e vivem se defendendo de uma culpa com a qual não conseguem entrar em contato.
Quanto menos dizemos para uma mãe o que ela deve fazer, mais damos chances para que ela resgate um saber que já está lá, mas que muitas vezes está perdido no meio de tanta culpa e desautorização. Para finalizar, tenho agora a impressão de que é a esse alívio a que Winnicott se refere quando diz que não vai dizer às mães o que elas devem fazer. Permitir-se ser a mãe que se é, pelo menos de vez em quando, proporciona um alívio tremendo, mesmo que isso seja incoerente – e sempre será – com alguma orientação, dica, instrução, manual. Alívio não apenas para a mãe, mas também para a criança e para todos os envolvidos.
Essa capacidade de se autorizar é, aliás, uma condição importante para a criação da “coreografia primitiva” entre e mãe e bebê, a partir da qual começa a se constituir a subjetividade da criança. Tratarei desse tema na próxima coluna.
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Publicado originalmente em: http://www.roteirobabycuritiba.com.br/site/e-tudo-culpa-da-mae-priscila-frehse-pereira/
imagem: www.theeatculture.com/raccontare-unemozione-illustrazioni-tran-nguyen/